Pedro Gomes - Uma Aventura Americana
2011 foi o ano de estreia nos Estados Unidos como profissional para Pedro Gomes, um ano que denomina como "ano zero".
Entre mudanças de treinador, de viagens entre várias cidades e de dieta conseguiu no passado dia 23 de Outubro o 6º lugar na prova de Austin 70.3, no Texas.
TriNews: Como foi a prova em Austin?
Pedro Gomes: Foi uma prova de consistência e avaliação do que tem sido feito. É uma prova gigante com 2500 participantes e que acabou por reunir alguns dos grandes nomes da longa distância mundial. Muitos dizem que a prova foi muito competitiva mas não é muito correcto pensar assim e quando se olha para os resultados de uma WCS (os grand slams da distância olímpica), o 30º lugar é um atleta de classe mundial. Essas sim são provas competitivas. Austin 70.3 é uma prova dura, o ciclismo é muito mais lento do que parece por causa da qualidade das estradas, que têm vindo a piorar desde 2010, e o novo percurso de corrida é extremamente ondulado. Contudo, o facto de todos os atletas no pódio terem feito tempos rapidíssimos, faz parecer que estávamos a competir num percurso a descer. Não foi um dia rápido, não é uma prova plana. Os atletas que ficaram no Top 5 são verdadeiras máquinas. Não posso deixar de ficar satisfeito com o 6º lugar se olhar para quem me bateu. Sinto sim que o meu parcial de ciclismo não mostra o que tenho trabalhado nestas últimas semanas e espero corrigir isso em Miami.
TN: Austin não é propriamente uma cidade simpática para se treinar. Como foi gerir os treinos antes da prova?
PG: Nada fácil. Tudo no Texas é grande e Austin não foge à regra. Tive a sorte de arranjar um homestay (que literalmente me deixou a casa e foi para a Austrália) em South Austin que é o mesmo que dizer que estou a 18 milhas do centro. O meu único transporte é a bicicleta e para nadar uns míseros 20 minutos, tenho que fazer quase uma hora de bike. Andar de bicicleta na cidade também não é simpático. Há imenso trânsito e semáforos, as ciclovias são poucas e as estradas, por causa da seca que afectou o Texas, estão miseráveis. Não houve um dia que tenha saído de bicicleta e não tenha sentido a vida em risco. O facto dos carros na América serem maioritariamente de transmissão automática, leva a que os condutores se distraiam com facilidade e, sem querer, andem nas bermas com os atrelados. Estar sozinho também não ajuda, não ter ninguém para falar durante o dia tem sido agoniante. Felizmente há internet e tenho tido trabalho para me distrair mas não é a mesma coisa, principalmente depois de viver 3 anos no CAR em comunidade com irrequietos atletas. No fundo, a minha localização em Austin tem sido o grande problema desta minha estadia.
TN: E agora segue-se Miami, ou seja, duas provas separadas por 1 semana. Tens alguns métodos para a recuperação ser mais rápida?
PG: Quando, em carga, se treina 30 horas por semana, duas semanas com metade das horas e um esforço intenso de 4 horas ao domingo parece canja. Penso que um evento 70.3 não deixa muitas mazelas fisiológicas se tiver cuidado nas 24-36 horas imediatas após a prova. Tive algum aconselhamento da parte do meu treinador em termos nutricionais para optimizar a recuperação. A semana entre provas consiste em três dias de progressivo aumento de volume, sendo Quarta-feira o pico com um “brick” longo de 5h + 40’, seguidos de outros tantos dias de “taper”. A performance em ambas estava comprometida à partida não só pelo facto de serem em semanas consecutivas mas também pelo facto do meu objectivo principal não passar por qualquer uma delas. O meu objectivo é um Ironman no final da época. De qualquer forma, fazer provas desta duração separadas por alguns dias não é algo a que o meu corpo não esteja habituado. Afinal, em 2010, fiz quatro 70.3 e um Ironman em 6 semanas.
TN: Quando foste para os EUA, começaste por treinar com o Paulo Sousa e com a Equipa treinada por ele. O que te levou a deixar a equipa?
PG: O Paulo foi o primeiro treinador de Triatlo que tive, pelo que conhecia os métodos de trabalho e psicologia de treino que ele aplica. A “Triathlon Squad” foi o projecto que me lançou nesta aventura americana e permitiu-me conhecer algumas pessoas que têm sido fundamentais na minha permanência nos EUA. Contudo, quem conhece o Paulo sabe que não é fácil lidar com... o Paulo, como pessoa leia-se. O facto de ter bastante confiança pessoal com ele, levou a que cada vez que o questionasse, a atitude e resposta dele fosse constantemente irónica e sarcástica. Para além de que deixei de confiar nele enquanto treinador. O Paulo tem uma filosofia de “busca pela excelência” que a meu ver nunca provou ser capaz de alcançar. Muitos referem o facto de ter trabalhado com o Simon Wihtfield ou, agora, a Heather Wurtele, como prova mas tanto o Simon como a Heather já eram Campeão Olímpico e 2 x Vencedora de um Ironman, respectivamente, antes de trabalharem com o Paulo. As primeiras provas que fiz em 2011 não correram nada bem e deixei de acreditar que o Paulo e eu fossemos um “good fit”. Decidi mudar antes que fosse tarde.
TN: Depois do acidente a tua época foi toda alterada.
PG: Completamente. Após deixar de ser treinado pelo Paulo, o meu objectivo de época passou imediatamente por qualificar-me para o Ironman Hawaii. Contudo, tinha que amealhar pontos suficientes para subir no ranking e ter lugar na start list, pontos esses que esperava obter em Frankfurt e Zurich, dois eventos Ironman em Julho. Ora, com a fractura da clavícula no final de Junho, não me foi possível competir nos IM referidos. Tive que arrastar toda a minha época para o final do ano sendo que todo o mês de Agosto foi passado a tentar recuperar a amplitude de movimento necessária para nadar. Recuperar de uma clavícula partida em tempo recorde é difícil, afinal é um osso que partiu e leva o seu tempo a regenerar. Ainda hoje sinto que não está a 100% e preciso de parar mais umas semanas (no final do ano) para o osso solidificar melhor.
TN: Agora estás a ser treinado pelo Jesse Kropelnicki. Como diferem os métodos de treino de outros treinadores?
PG: O Jesse é a pessoa por detrás da QT2 Systems, uma empresa de coaching que tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos, tornando-se líder de mercado nos EUA. Não posso comparar os métodos de trabalho com qualquer treinador anterior porque cada um tem os seus mas penso que os princípios são os mesmos. O Jesse trabalha apenas com 8 atletas profissionais (delegando os quase 300 age-groups da QT2 para os sub-treinadores) o que lhe permite dar uma atenção redobrada a cada, individualizando o treino à necessidade de cada um. Isso não acontecia tanto com o Paulo Sousa, como com o Sérgio Santos, onde o treino era feito muito a pensar no grupo em que estava inserido com apenas ligeiras alterações.
O Jesse acha que a minha fraqueza é a bicicleta, primeiro, e depois a natação (por exclusão de partes, o meu forte será a corrida). Para trabalhar isso, tenho feito muitos Km de bicicleta nas últimas semanas com intensidades variadas (desde sprints de 30 segundos a repetições de 30 minutos). Praticamente não tenho corrido mais de 65 Km por semana e tem sido sempre com transição da bicicleta. Isto é, em 5 treinos de corrida por semana, 4 são a saltar da bicicleta e nunca mais de uma hora. Pela avaliação da minha corrida no Austin 70.3, não tem sido uma má solução. A natação é onde mais me tenho sentido em falta. Os treinos prescritos pelo Jesse acabam por ser um “passar” de tempo na água porque tenho muita dificuldade em esforçar-me sozinho na piscina. Ele já percebeu isso e tenho feito apenas tarefas de endurance e nunca mais de 4000 metros por treino.
TN: E a dieta também mudou?
PG: Para além da QT2 Systems, o Jesse é também o fundador do site de aconselhamento nutricional The Core Diet. O termo “dieta” está muito associado à perda de peso mas no fundo é a maneira como comes que define a tua dieta, boa ou não. A “Core Diet” é uma maneira diferente de comer, não propriamente um programa de perda de peso. Os pilares da “Core Diet” passam por eliminar todos os cereais da tua alimentação diária, excepto nas “janelas” de uma hora antes e depois do treino. O fundamento é manter os níveis de açúcar no sangue e a produção de insulina estável, produzindo menos radicais livres, menos acumulação de gordura e precavendo problemas de saúde relacionados. É como andar de carro. Se o carro está parado na garagem, não precisas de meter gasolina. Se vais fazer uma viagem, abasteces antes, durante a viagem e após para que o carro pegue da próxima vez.
Fora dos períodos de treino, a tua alimentação passa por comer proteínas e gordura (ovos mexidos, hamburgers, queijo, iogurtes gordos, etc) e fruta e vegetais. Estes últimos são ricos em açúcares e fibras mas, no caso da fruta, são açúcares que não elevam muito os teus níveis de açúcar no sangue (excepto algumas frutas como as uvas).
TN: Seguir uma carreira como profissional foi sempre o teu sonho mas nem tudo são facilidades. Que balanço fazes desta tua aventura?
PG: Alguém disse que objectivos são sonhos com data. Era meu objectivo tentar seguir uma carreira como profissional mas dado ao facto do Triatlo (ainda) ser um desporto relativamente recente, não é uma carreira que suporte uma família. A não ser claro, que estejas naquele 0.1% de atletas que vence provas semana após semana. Contudo, se há país para o tentar, é sem dúvida os EUA. É possível ser-se profissional nos EUA, mesmo sem ser super talentoso. A questão é tornares-te mediático e falado. Seja por ganhares provas ou por apareceres em todas.
Caracterizar o balanço de positivo ou negativo é incorrecto porque é uma carreira de risco e com muitos altos e baixos. Tive um inverno atribulado, uma fractura a meio do ano e um período de falta de confiança que em nada ajudou as performances. Contudo, o facto de ter passado metade de 2011 deste lado do oceano permitiu dar-me a conhecer a este mercado e estou confiante de que 2012 será melhor. É necessário estabilidade logística e financeira para conseguir melhorar as performances e isso nunca seria alcançado no primeiro ano. Foi o ano zero, seguem-se mais.
TN: Surgiram novas oportunidades de patrocínios depois da tua ida para os EUA?
PG: Sim. Conheci bastante gente ligada à indústria e que eventualmente me poderá apoiar no futuro. Abordar uma marca para te apoiar depois de apertar a mão ao responsável faz imensa diferença.
TN: Se há uns meses tinhas pouco que te mantivesse em Portugal agora estás a contar os dias para voltar?
PG: É verdade mas muito porque não tive a estabilidade logística que mencionei anteriormente. Planeei a minha estadia nos EUA consoante as provas que iria realizar, andei de cidade em cidade com um trouxa que não pára de aumentar apenas com o pensamento na prova seguinte, não a pensar onde seria melhor para treinar. Estou exausto de ter de encontrar novas piscinas, estradas e trilhos para treinar, casa para ficar, sítios para comer e tudo sozinho. Teria sido muito mais fácil encontrar uma local nos EUA para estar centralizado e voar ida-volta para as provas ao fim de semana. É muito difícil entrar numa rotina de treino se a cada 10 dias tens que mudar de cidade. Para além de que este, como disse, foi o ano zero. Foi o ano em que decidi passar 7 meses nos EUA e o desconectar com o Mundo em Portugal foi difícil. A vida dos teus amigos continua e acabas por estranhar não fazer parte dela mas eventualmente hás-de te habituar.
Estou a contar os dias para regressar porque preciso de assentar a cabeça e ideias. Acabei por passar nas cidades chave que tanto ouvia falar: Tucson, Austin e Boulder e só faltou San Diego. Agora tenho a experiência para suportar uma melhor planificação de treino e viagens na próxima vez.
TN: E a dieta também mudou?
PG: Para além da QT2 Systems, o Jesse é também o fundador do site de aconselhamento nutricional The Core Diet. O termo “dieta” está muito associado à perda de peso mas no fundo é a maneira como comes que define a tua dieta, boa ou não. A “Core Diet” é uma maneira diferente de comer, não propriamente um programa de perda de peso. Os pilares da “Core Diet” passam por eliminar todos os cereais da tua alimentação diária, excepto nas “janelas” de uma hora antes e depois do treino. O fundamento é manter os níveis de açúcar no sangue e a produção de insulina estável, produzindo menos radicais livres, menos acumulação de gordura e precavendo problemas de saúde relacionados. É como andar de carro. Se o carro está parado na garagem, não precisas de meter gasolina. Se vais fazer uma viagem, abasteces antes, durante a viagem e após para que o carro pegue da próxima vez.
Fora dos períodos de treino, a tua alimentação passa por comer proteínas e gordura (ovos mexidos, hamburgers, queijo, iogurtes gordos, etc) e fruta e vegetais. Estes últimos são ricos em açúcares e fibras mas, no caso da fruta, são açúcares que não elevam muito os teus níveis de açúcar no sangue (excepto algumas frutas como as uvas).
TN: Seguir uma carreira como profissional foi sempre o teu sonho mas nem tudo são facilidades. Que balanço fazes desta tua aventura?
PG: Alguém disse que objectivos são sonhos com data. Era meu objectivo tentar seguir uma carreira como profissional mas dado ao facto do Triatlo (ainda) ser um desporto relativamente recente, não é uma carreira que suporte uma família. A não ser claro, que estejas naquele 0.1% de atletas que vence provas semana após semana. Contudo, se há país para o tentar, é sem dúvida os EUA. É possível ser-se profissional nos EUA, mesmo sem ser super talentoso. A questão é tornares-te mediático e falado. Seja por ganhares provas ou por apareceres em todas.
Caracterizar o balanço de positivo ou negativo é incorrecto porque é uma carreira de risco e com muitos altos e baixos. Tive um inverno atribulado, uma fractura a meio do ano e um período de falta de confiança que em nada ajudou as performances. Contudo, o facto de ter passado metade de 2011 deste lado do oceano permitiu dar-me a conhecer a este mercado e estou confiante de que 2012 será melhor. É necessário estabilidade logística e financeira para conseguir melhorar as performances e isso nunca seria alcançado no primeiro ano. Foi o ano zero, seguem-se mais.
TN: Surgiram novas oportunidades de patrocínios depois da tua ida para os EUA?
PG: Sim. Conheci bastante gente ligada à indústria e que eventualmente me poderá apoiar no futuro. Abordar uma marca para te apoiar depois de apertar a mão ao responsável faz imensa diferença.
TN: Se há uns meses tinhas pouco que te mantivesse em Portugal agora estás a contar os dias para voltar?
PG: É verdade mas muito porque não tive a estabilidade logística que mencionei anteriormente. Planeei a minha estadia nos EUA consoante as provas que iria realizar, andei de cidade em cidade com um trouxa que não pára de aumentar apenas com o pensamento na prova seguinte, não a pensar onde seria melhor para treinar. Estou exausto de ter de encontrar novas piscinas, estradas e trilhos para treinar, casa para ficar, sítios para comer e tudo sozinho. Teria sido muito mais fácil encontrar uma local nos EUA para estar centralizado e voar ida-volta para as provas ao fim de semana. É muito difícil entrar numa rotina de treino se a cada 10 dias tens que mudar de cidade. Para além de que este, como disse, foi o ano zero. Foi o ano em que decidi passar 7 meses nos EUA e o desconectar com o Mundo em Portugal foi difícil. A vida dos teus amigos continua e acabas por estranhar não fazer parte dela mas eventualmente hás-de te habituar.
Estou a contar os dias para regressar porque preciso de assentar a cabeça e ideias. Acabei por passar nas cidades chave que tanto ouvia falar: Tucson, Austin e Boulder e só faltou San Diego. Agora tenho a experiência para suportar uma melhor planificação de treino e viagens na próxima vez.
TN: E planos para o futuro? Kona 2012?
PG: IM Hawaii passou a ser o meu objectivo #1. Depois de (mais uma vez) ver a prova ao vivo este ano, tenho a certeza que consigo chegar àquele Top 10 e quem sabe vencer. É uma prova que, em última análise, é ganha na maratona final algo que, não comprometendo na natação e ciclismo, pode jogar em meu favor.
O meu ano de 2012 já está a ser planeado e irá passar por me centralizar em Clermont, FL, durante o inverno, sendo que a primeira prova será muito provavelmente Oceanside 70.3. Há também uma forte hipótese de me juntar a uma nova equipa internacional (baseada nos EUA, à semelhança da equipa da Trek/K-Swiss) que irá trazer uma enorme estabilidade à minha vida de triatleta. Estou bastante ansioso por 2012.
TN: Mais alguma coisa a acrescentar?
PG: Podem acompanhar a minha vida diária no meu twitter (@krepster) e todos os meus comentários sobre as provas e treinos no meu blog (http://krepelog.blogspot.com/). Tenho estado sempre disponível para ajudar e aconselhar quem necessita de um empurrão, principalmente nestes eventos de longa distância. Apesar do meu ar jovial e pele de princesa, já tenho alguma experiência nestas andanças.
PG: IM Hawaii passou a ser o meu objectivo #1. Depois de (mais uma vez) ver a prova ao vivo este ano, tenho a certeza que consigo chegar àquele Top 10 e quem sabe vencer. É uma prova que, em última análise, é ganha na maratona final algo que, não comprometendo na natação e ciclismo, pode jogar em meu favor.
O meu ano de 2012 já está a ser planeado e irá passar por me centralizar em Clermont, FL, durante o inverno, sendo que a primeira prova será muito provavelmente Oceanside 70.3. Há também uma forte hipótese de me juntar a uma nova equipa internacional (baseada nos EUA, à semelhança da equipa da Trek/K-Swiss) que irá trazer uma enorme estabilidade à minha vida de triatleta. Estou bastante ansioso por 2012.
TN: Mais alguma coisa a acrescentar?
PG: Podem acompanhar a minha vida diária no meu twitter (@krepster) e todos os meus comentários sobre as provas e treinos no meu blog (http://krepelog.blogspot.com/). Tenho estado sempre disponível para ajudar e aconselhar quem necessita de um empurrão, principalmente nestes eventos de longa distância. Apesar do meu ar jovial e pele de princesa, já tenho alguma experiência nestas andanças.